Curiango Charcutaria Artesanal | Rafa Bocaina
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O nome “Curiango”
Quando há 7 anos percebemos que a charcutaria tinha se tornado um ofício e que iríamos fazer dessa atividade nossa maneira de ganhar a vida e interagir com o mundo, pensamos logo em um nome: O Ex Porco. Mas em pouco tempo o porco foi tomando protagonismo no cenário gastronômico nacional e começaram a surgir várias casas com “porco” no nome. Desistimos de nosso primeiro nome.
O nome Curiango veio de maneira muito natural depois disso. Uma ave icônica de nossa região cercada de mitos e simbolismos que sempre nos fascinaram. O curiango só pode ser avistado nas horas mais mágicas do dia, o amanhecer e o anoitecer, o que justifica sua figura mística. Também é conhecido como mãe da lua e seu canto mistura o sentimento da calmaria dos dias quentes de verão com uma misteriosa melancolia das noites frias de inverno. Adotamos o nome com muito encanto.
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O porco
O porco faz parte da identidade caipira desde o amálgama formador de suas culturas ancestrais. Os primeiros animais aportaram em São Vicente junto à esquadra de Martim Afonso em 1532. Foi São Paulo um dos primeiros locais de criação de porcos.
Com o povoamento dos sertões surge aquilo que conhecemos como Cultura Caipira, tendo o porco como elemento fundamental de subsistência. Quando os bandeirantes “descem do cavalo” e se fixam, aparece o que Mara Salles chama de cozinha de quintal, preparos que se distinguem dos secos farnéis de viagem. A cozinha do sertanejo é mais molhada, é o reinado do angu, dos refogados, das verduras matadinhas na gordura e, essencialmente, do porco. Sua vocação natural para as conservas em sal ou gordura foi fundamental para o povo do sertão.
Nas antigas comunidades caipiras o porco também cumpre o papel de elemento reciclador. É quem converte aquilo que já não tem valor, como o leite perdido, as sobras de comida e restos de hortas em algo extremamente valioso, um símbolo de poupança e fartura. É difícil imaginar uma cena alegre na roça sem um prato de torresmos acompanhado de cachaça. Tornou-se impossível dissociar a figura do porco da do caipira. E o caipira reconhece essa ligação na medida em que concede ao porco um importante lugar nos rituais e celebrações de seu calendário. Nas festas religiosas e ocasiões especiais, morre uma leitoa ou um capado, quase que como num divino sacrifício.
No meio rural, carne é de porco, quase nunca de criação (vaca), frango nem é carne, é somente frango. A gordura do sertanejo é a banha e ela se presta para todos os fins, dos refogados ás broas, não há “sustança” sem ela. No eito da lida na roça é preciso de “sustança”. Vêm dessa linda herança os comentários de nossas avós que nos chamavam de “fortes” ao invés de gordos. Gordura é riqueza. Porcos crioulos, alimentados de forma natural e saudável sustentaram nossos ancestrais por incontáveis gerações. Devemos ao porco, boa parte de nossa identidade e memória. Com isso, também devemos a ele respeito e a necessidade do resgate e conservação das raças crioulas brasileiras.
Escrito por Rafa Bocaina